Na primeira semana de fevereiro, Trump vivia um dos melhores momentos desde que assumiu a Casa Branca, em 2017. A absolvição no processo de impeachment, os bons números de emprego e a falta de coesão entre os opositores no Partido Democrata pavimentavam o caminho à reeleição do republicano.
E, enquanto o vírus começava a assustar os EUA, o antes fragmentado Partido Democrata cerrou fileiras em apoio ao ex-vice-presidente Joe Biden — justamente o nome que Trump queria investigar segundo o inquérito de impeachment que fracassou no Congresso.
Antes favorito, Trump agora vê uma corrida mais acirrada. Ainda faltam quatro meses até as eleições presidenciais norte-americanas, marcadas para 3 de novembro, e as peças da corrida eleitoral podem se mover mais uma vez. Afinal, no início deste mesmo 2020, o impacto da Covid-19 nos EUA ainda não parecia tomar as proporções de hoje.
A postura de Donald Trump diante do novo coronavírus mudou desde os primeiros relatos da doença nos EUA, ainda em janeiro:
Efeitos do coronavírus — O presidente acreditava, no início, que os EUA estavam prontos para lidar com a Covid-19 e duvidava publicamente que ela geraria um grande número de vítimas. Meses depois, ele reconheceu que a doença deixaria dezenas de milhares de mortos no país.
Isolamento social — Inicialmente contrário a medidas mais rigorosas, Trump mudou de ideia, passou a defender que as pessoas permanecessem em casa e até discordou de governadores aliados que reabriam rapidamente o país. Depois, o presidente voltou a pedir o retorno das atividades, mesmo com os EUA atingindo mais de 2 milhões de casos oficiais.
Medicamentos — Trump defendia o uso da hidroxicloroquina nas primeiras semanas de pandemia, tema que gerou atritos com o médico Anthony Fauci, principal consultor da Casa Branca em epidemiologia. Com pesquisas que mostravam a pouca eficácia do medicamento nos casos de Covid-19 e com o aparecimento de outras substâncias mais promissoras, o presidente deixou de lado a defesa do remédio.
Essa postura errática do presidente dos EUA se traduz na oscilação do apoio a Trump, aponta o doutor em relações internacionais Carlos Gustavo Poggio, professor da Faap. "Houve no início até um aumento da aprovação, mas depois os eleitores começaram a perceber que ele lida de uma forma não satisfatória com a epidemia", avalia.
O professor pondera que, no entanto, o eleitorado ainda observa a reação da Casa Branca à pandemia, em um cenário que pode mudar.
"É a primeira grande crise que Trump tem que enfrentar no governo. O povo americano está julgando como ele lida com esse impacto", afirma Poggio.
Por outro lado, medidas como o pagamento de auxílio — cheques inclusive impressos com o nome de Trump — e de parte dos tratamentos de pessoas doentes com o novo coronavírus evitaram que outro tema difícil para os norte-americanos entrasse em pauta: o sistema de saúde.
O assunto envolve discussões sobre pagamento compulsório de impostos e, assim, não é unanimidade sequer entre o Partido Democrata, analisa Juliano Cortinhas, professor de relações internacionais da Universidade de Brasília (UnB).
"Os benefícios [aprovados por Trump] diminuíram a pressão sobre o sistema de saúde, e achei que essa pressão viria com muito mais força no debate. É uma falha dos democratas, que não chegam a um consenso sobre um plano financeiro e orçamentário para a saúde pública", afirma.
Embora a pesquisa do jornal "The New York Times" que mostrou Biden 14 pontos à frente de Trump tenha deixado eleitores democratas eufóricos, os professores ouvidos pelo G1 ressaltam que o cenário continua indefinido. Principalmente, por duas razões:
Colégio Eleitoral — Em 2016, Hillary venceu Trump na votação popular. Entretanto, bastou que o republicano vencesse com margem pequena em estados considerados chave — principalmente os que sofriam com fuga de empregos na década passada — para que conquistasse mais delegados para a votação no Colégio Eleitoral, que realmente importa. O cenário pode se repetir em 2020.
Tempo — Pesquisas retratam o momento, e a aprovação ou rejeição aos candidatos podem aumentar ou diminuir bruscamente no decorrer dos próximos meses.
Do outro lado, Trump lamentou publicamente a morte de Floyd, mas se viu alvo dos protestos. Ele, então, focou na resposta aos atos de violência vistos em algumas cidades após as manifestações pacíficas, ameaçando chamar o Exército e evocando o slogan de "lei e ordem".
Nuvens de chuva se aproximam de Casa Branca, em Washington (EUA), nesta quinta-feira (25) — Foto: Alex Brandon/AP Photo
Falta saber qual será o impacto dos protestos e da pandemia nas eleições norte-americanas. Nos próximos meses, ainda deve haver discussão sobre a votação por correio, que tem sido criticada por Trump por supostamente favorecer Biden. Para os professores ouvidos pelo G1, é cedo para apontar um resultado.
"Trump estava atrás de Hillary em junho de 2016", relembra Juliano Cortinhas, da UnB. "Mas o republicano era a novidade daquele ano. A retomada para ele vai ser mais difícil", avalia.
Na mesma linha, Carlos Gustavo Poggio concorda que o cenário se tornou mais difícil para Trump, mas aponta que as condições para o atual presidente se reeleger podem ser mais favoráveis do que há quatro anos.
"Não há nada garantido. Trump é um ator político muto perspicaz, tem base e agora uma campanha organizada — diferentemente de 2016. E é o atual presidente. Não dá para descartar", pondera Poggio.
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